Jackson Cionek
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Abotoar uma camisa: o cotidiano como janela da consciência

Abotoar uma camisa: o cotidiano como janela da consciência

(Consciência em Primeira Pessoa • Neurociência Decolonial • Brain Bee • O Sentir e Saber Taá)


O Sentir e Saber Taá

Eu seguro a camisa com as duas mãos.
Sinto o tecido, procuro o buraco do botão quase sem olhar.
Meus dedos escorregam, ajustam, voltam, acertam.
Às vezes eu nem percebo que fiz o movimento — já estou com a camisa abotoada, pronto para sair.

Esse gesto banal é, na verdade, um milagre silencioso de:

  • percepção tátil,

  • coordenação bimanual,

  • planejamento motor,

  • memória de procedimento.

Quando eu penso em quem perdeu essa habilidade depois de um AVC, de uma lesão medular ou de uma doença neurodegenerativa, o gesto muda de peso.
Abotoar uma camisa deixa de ser detalhe: vira fronteira entre autonomia e dependência.

É exatamente aí que entra o estudo de Niloufar Benam, Courtney Pollock, Jill G. Zwicker, Shannon B. Lim, Kenji Yoshida e Julia Schmidt (2025), publicado em NeuroImage Reports:

“Exploring brain activation during a buttoning task in adults: A functional near infrared spectroscopy investigation.”

Eles perguntam, em linguagem simples:

O que acontece no meu cérebro quando abotoo uma camisa?


1. O que os pesquisadores fizeram

Os autores pegaram um gesto do cotidiano — abotoar uma camisa — e o transformaram em experimento de neurociência com fNIRS (functional near-infrared spectroscopy).

Em linhas gerais, o desenho foi:

  • Participantes adultos saudáveis,

  • realizando uma tarefa de abotoar (ou tarefa padronizada que simula abotoar, baseada em testes de destreza manual como o Minnesota Manual Dexterity Test),

  • enquanto um sistema de fNIRS registrava a variação de oxigenação (O₂-Hb, HHb) nas áreas corticais relacionadas a movimento fino das mãos.

A pergunta central:

Quais áreas corticais “acordam” quando executamos esse gesto aparentemente automático?

E, mais profundamente:

Será que o cérebro realmente “desliga” quando a tarefa é muito automatizada, ou ainda há um custo neural relevante?


2. Como os sinais foram analisados (fNIRS, GLM, ICA, short-channels)

Do ponto de vista técnico, o estudo conversa diretamente com quem trabalha com fNIRS:

  1. Aquisição fNIRS

    • Optodos posicionados sobre regiões sensorimotoras e parietais,

    • registrando concentrações relativas de O₂-Hb e HHb durante blocos de tarefa de abotoar e períodos de repouso.

  2. Short-channels

    • Uso de canais de curta distância para capturar sinais extracorticais (pele, couro cabeludo, circulação superficial) e removê-los do sinal cortical — passo essencial hoje em boas práticas fNIRS.

  3. Pré-processamento e remoção de artefatos (ICA/PCA)

    • Filtragem de ruídos de baixa e alta frequência,

    • remoção de componentes dominados por batimento cardíaco, respiração ou movimentos de cabeça, usando ICA (Independent Component Analysis) e/ou PCA (Principal Component Analysis).

  4. Modelagem com GLM

    • Aplicação de GLM (General Linear Model) com uma HRF (Hemodynamic Response Function) adequada à tarefa,

    • estimação de coeficientes (betas) para comparar ativação nas diferentes regiões durante o ato de abotoar em relação ao repouso.

  5. Análises estatísticas em grupo

    • Mapas de ativação grupo-nível,

    • comparações entre hemisférios,

    • identificação de padrões robustos de ativação sensorimotora.

Esse pipeline integra várias das palavras que queremos que os alunos Brain Bee encontrem: fNIRS, GLM, ICA, PCA, short-channels, HRF.


3. O que eles encontraram

Os resultados, em linguagem corpo-território, são algo assim:

  • A tarefa de abotoar uma camisa aumenta a atividade em regiões sensorimotoras bilaterais — áreas envolvidas no controle fino das mãos e dedos.

  • O padrão de ativação é compatível com:

    • coordenação bimanual,

    • integração tátil,

    • ajuste contínuo da força e da posição.

Interessante notar:

  • Não se observa “desligamento” cortical só porque a tarefa é cotidiana;

  • Pelo contrário, o cérebro mostra um engajamento organizado que sustenta esse automatismo refinado.

Automaticidade não é ausência de cérebro;
é o cérebro funcionando de forma eficiente.


4. Como isso conversa com nossos conceitos

a) Mente Damasiana no gesto mais simples

Pelos nossos conceitos, a Mente Damasiana emerge da dança entre:

  • interocepção (como meu corpo está por dentro),

  • propriocepção (como meu corpo se posiciona no mundo),

  • e o ambiente que se mostra ao corpo.

Abotoar uma camisa é:

  • próprio corpo (pele, músculos, tensão dos dedos),

  • mais mundo (tecido, botões, gravidade),

  • mais memória de movimento.

O fNIRS mostra que esse pequeno ritual cotidiano é um estado de consciência incorporada:
um modo de ser e estar no mundo, não apenas um “hábito mecânico”.

b) Eus Tensionais e autonomia

Podemos falar em Eu Tensonal de autonomia:

  • o eu que sente que consegue se vestir sozinho,

  • que controla os próprios gestos sem ajuda,

  • que decide o ritmo do próprio corpo.

Quando a pessoa perde essa capacidade, outra configuração tensional nasce:

  • o eu que depende,

  • o eu que precisa pedir ajuda,

  • o eu que perde um pouco do território corporal.

O estudo ajuda a mapear o substrato cortical desse Eu Tensonal da autonomia cotidiana.

c) Zona 1, Zona 2 e Zona 3

  • Zona 1: gesto automático, pouco consciente — abotoar sem pensar, indo rápido.

  • Zona 2: quando eu desacelero e percebo a textura, o som do botão, a respiração; posso até sentir prazer em me arrumar.

  • Zona 3: quando a ideologia entra na roupa — códigos de classe, gênero, padrões sociais — e o gesto vira obrigação tensa, quase sem espaço interno.

O mesmo movimento contém as três zonas, dependendo de como eu me coloco nele.


5. Interlúdio decolonial: quando a camisa traz o peso da língua

Há um ponto que precisamos dizer explicitamente, para não repetir o silêncio da ciência colonial:

A colonização começa pelas palavras que usamos para descrever o corpo e termina organizando quem merece ser vestido com dignidade, quem pode ter autonomia, quem é visto como “capaz” ou “incapaz”.

Quando eu falo em “ativação de córtex motor durante tarefa de abotoar”, posso estar descrevendo só o dado —  ou posso estar ignorando:

  • quem nunca pôde comprar a própria camisa,

  • quem é obrigado a vestir um uniforme que nega sua identidade,

  • quem carrega no corpo cicatrizes de violências políticas, espirituais e econômicas.

A Neurociência Decolonial que estamos propondo pergunta:

Que perguntas não estão sendo feitas porque o vocabulário da ciência ainda é colonial?

Muitos neurocientistas jamais se aventuram a desenhar experimentos que:

  • confrontem diretamente desigualdades,

  • questionem normas religiosas impostas,

  • ou revelem como o Estado e o mercado modulam nossos Eus Tensionais.

Se deixamos a linguagem nas mãos da colonização, o máximo que medimos são cérebros obedientes à Zona 3, travados em ideologias, consumos e padronizações.
Quando abrimos espaço para espiritualidade laica (DANA), política viva e neurociência crítica, o mesmo dado de fNIRS — a mesma curva de oxigenação — vira convite para libertar o corpo da massificação.


6. Onde a ciência ajusta nosso olhar

Antes, eu poderia pensar:

“Abotoar uma camisa é coisa do cerebelo e da medula, não tem muita ‘consciência’ ali.”

O estudo mostra que isso é simplificação:

  • o córtex ainda participa de forma clara,

  • especialmente em áreas sensorimotoras,

  • mesmo em adultos saudáveis e experientes.

Isso corrige nossa tendência a separar demais:

  • o “consciente” do “automático”,

  • o “alta cognição” do “gesto simples”.

Na verdade, o cotidiano é um laboratório permanente de consciência corporificada.


7. Implicações práticas e normativas (LATAM, reabilitação, políticas)

  1. Reabilitação com sentido de vida

    • Programas de fNIRS em reabilitação podem usar tarefas como abotoar camisa, amarrar sapato, fechar zíper —  não apenas movimentos artificiais de apertar botões.

    • Isso aproxima neurociência do que realmente importa para a autonomia.

  2. Avaliação de intervenção

    • Mudanças de ativação sensorimotora durante essas tarefas podem indicar se um tratamento:

      • está ajudando o cérebro a reorganizar movimentos,

      • ou apenas treinando compensações superficiais.

  3. Políticas públicas de cuidado

    • Em cidades latino-americanas, podemos defender protocolos em saúde pública que incluam:

      • avaliação de atividades da vida diária com base em fNIRS (quando possível),

      • desenho de ambientes e tecnologias assistivas que respeitem a dignidade do gesto cotidiano.

  4. Educação para o corpo cotidiano

    • Em vez de neurociência escolar só com “cérebro em provas e memorização”,
      podemos ensinar jovens Brain Bee a olhar para:

      • o jeito de segurar um lápis,

      • de digitar no celular,

      • de se vestir.

    • Cada gesto é uma janela da consciência, não um detalhe irrelevante.


8. Palavras-chave para busca científica

“Benam 2025 Exploring brain activation during a buttoning task in adults functional near infrared spectroscopy NeuroImage Reports fNIRS GLM short-channels ICA PCA manual dexterity”







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Jackson Cionek

New perspectives in translational control: from neurodegenerative diseases to glioblastoma | Brain States