Neurofisiologia da memória: potenciação de longa duração (LTP) e depressão de longa duração (LTD)

01/12/2023 04:01:20 Author: Rodrigo Oliveira
 
       A memória é um dos processos psicobiológicos mais importantes, pelo qual é responsável pela aquisição, armazenamento e evocação de informações. O objetivo da nossa memória não é transmitir as informações mais precisas ao longo do tempo, mas orientar e otimizar a tomada de decisão inteligente, mantendo apenas aquelas informações consideradas valiosas, ou seja, aquelas informações adquiridas durante um momento de atenção. Para fins classificatórios, a memória pode ser considerada não declarativa (implícitas) de caráter inconsciente, como aprender a dirigir por exemplo, ou declarativa (Explícitas) de caráter consciente, como gravar um fato ou evento, como saber o como foi o dia do seu casamento ou capitais dos principais países do mundo. As memórias implícitas podem ser classificadas como memória procedural, de condicionamento ou por aprendizado não-associativo. Já a memória explícita pode ser classificada como memória semântica e episódica (Imagem abaixo). Aqui vamos nos deter apenas a neurofisiologia das memórias declarativas, visto que os mecanismos neurofisiológicos envolvidos com as memórias explícitas ainda são poucos esclarecidos em vertebrados. Desde que as memórias mantenham sua qualidade episódica elas permanecerão dependentes do hipocampo. O comprometimento das memórias declarativas pode prejudicar a recuperação de informações específicas encontradas em episódios de aprendizagem anteriores, sendo importante salientar que o comprometimento da memória episódica não impede a aquisição de conhecimento factual ou competência linguística durante o desenvolvimento.
 

     O principal mecanismo envolvido na formação de memórias declarativas de longa duração é a consolidação. A consolidação é o processo pelo qual a informação adquirida é estabilizada para ser armazenada como uma memória de longa duração, que dependente da síntese proteica. Inicialmente, as memórias recém adquiridas, se encontram em um estado lábil. Com o tempo, inicia-se o processo de consolidação com a ativação da cascata molecular responsável pela formação da memória a longo prazo. No cérebro, a principal área envolvida nesse processo é o hipocampo, que é a região que mais concentra neurônios associados à consolidação das memórias. Os circuitos hipocampais vão se remodelando à medida que novos neurônios se integram, substituindo conexões anteriores. Mas como tudo isso ocorre bioquimicamente? Um dos principais fatores responsáveis por esse processo é a potenciação de longa duração (LTP - do inglês long-term potentiation), um mecanismo de aumento de respostas pós-sinápticas glutamatérgicas que ocorre de forma duradoura nos neurônios hipocampais decorrente de estimulações síncronas de aferentes pré-sinápticos, resultando na melhoria na transmissão do sinal a longo prazo. 


   As informações a serem armazenadas como memória  são inicialmente captadas por nosso sistema sensorial, onde são processadas no córtex sensorial e consecutivamente enviadas para o córtex pré frontal e  lobo temporal medial. No lobo temporal medial. No lobo temporal medial, especificamente no hipocampo, essa informação pode seguir uma via direta ou trissináptica, porém ambas terá como destino a área hipocampal responsável pelo processo de consolidação, CA1 (Imagem acima).  Quando precisamos armazenar alguma informação, grupos de neurônios hipocampais específicos são disparados de forma síncrona em uma frequência alta, também chamado de estímulo tetânico ou somação temporal. Os receptores glutamatérgicos N-metil-D-aspartato (NMDAR) desempenham importante papel no aprendizado e na LTP. Esse tipo de receptor ionotrópico glutamatérgico voltagem dependente, na presença dessa somação temporal pré-sináptica, é responsável por permitir o influxo de cálcio nos neurônios pós-sinápticos, que junto com a calmodulina (CaM), regulam a atividade de  proteínas intracelulares, como a proteína quinase II dependente de cálcio-calmodulina (CaMKII)  e a proteína quinase C (PKC) e a NO-sintase, proteínas imprescindíveis na facilitação sináptica de curto prazo, ou seja, na formação memórias de curto prazo. Cada uma dessas proteínas após o aumento do influxo de cálcio atuam favorecendo o fortalecimento sináptico, ou seja, tornando o neurônio pós sináptico mais suscetível a gerar novos potenciais de ação. A CaMKII, atua fosforilando e aumentando a atividade do receptor alfa-amino-3-hidroxi-metil-5-4-isoxazol propiônico (AMPAR), que é um receptor transmembranar que permite o influxo de sódio para o interior do neurônio pós-sináptico e a saída de potássio. A PKC participa da exocitose de novos receptores AMPAR, aumentando seu número na membrana dos neurônios pós-sinápticos. Já a NO-sintase atua na produção de óxido Nítrico (NO), que atua como mensageiro retrógrado na liberação de mais glutamato na fenda sináptica (Imagem abaixo). Como você pode perceber, todos esses mecanismos favorecem consequentemente a geração de potenciais de ação, fortalecendo cada vez mais a sinapse. Todos esses mecanismos moleculares descritos caracterizam a formação de memória de curto prazo .
 
 
 
 
     Se o estímulo tetánico perdurar por longos periodos, ocasionará o influxo de cálcio constante a longo prazo, que pode gerar a ativação de vias moleculares que regulam o fator de transcrição CREB-2 no núcleo do neurônio pós sináptico, responsável pela síntese proteica e consequente regulação de fatores como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que atua na modificação estrutural celular por meio da sinaptogênese, ou seja, surgimento de novas sinapses. Esse evento caracteriza a consolidação da memória de curto prazo em memória de longo prazo. (Imagem abaixo).
 
 
     Além do processo de LTP, também pode acontecer seu mecanismo antagônico, a depressão de longa duração (LTD - do inglês long-term depression), que também é imprescindível para a consolidação das memórias de longa duração. A LTD é uma redução da atividade das sinapses neuronais decorrente da diminuição de atividade neuronal hipocampal (não havendo estímulo tetânico), o que restringe a atividade dos NMDAR, diminuindo influxo de cálcio e consequentemente receptores na densidade pós-sináptica (PSD, do inglês postsynaptic density) e produção de óxido nítrico, favorecendo assim a plasticidade sináptica e a permanência de memórias relevantes já que contribui a o esquecimento de informações não importantes. Como vimos, os NMDARs é uma das principais estruturas moduladoras responsáveis pelo LTP e LTD. Esses receptores são compostos por três tipos de subunidades em sua composição molecular em forma de tetrâmeros, sendo duas subunidades chamadas de GluN1 que são obrigatórias juntamente com duas subunidades GluN2 ou GluN3. Existem dois subtipos de subunidades GluN2, as GluN2A e GluN2B,  como também dois subtipos de GluN3, GluN3A e GluN3B, Essas subunidades deonstram um papel de biomarcdor importante, visto que cada subunidade participa de forma diferente no processo de consolidação de em diferentes tipos de memória, como memória espacial, memória traumática e memória de reconhecimento. 
 
     Esses processos plásticos contribuem de forma importante para que ocorra a consolidação das memórias, que, apesar de estáveis, podem ser modificadas quando reativadas, momento em que ficam vulneráveis à interferências farmacológicas ou comportamentais exigindo uma fase de reconsolidação para sua manutenção O estudo da reconsolidação reforça o conceito de que a memória é um processo dinâmico e que novas memórias são formadas com base na reativação de informações já consolidadas. Dessa forma, nossas memórias estão em constante estado de consolidação e reconsolidação, fortalecendo sinapses através da LTP ou enfraquecendo as mesmas através da LTD, apresentando um sistema dinâmico que vai moldando as informações relevantes através do esquecimento das informações que não tem tanta importância.
 
     Bem, aprendemos até agora como as memórias são armazenadas. Mas como elas são evocadas? Sabe-se que as memórias declarativas podem ser evocadas de acordo com um sistema chamado sistema de engramas. As sinapses fortalecidas no processo de consolidação de uma memória específica são parte de um grupo de neurônios também específicos, que por sua vez são recrutados quando essa memória é evocada. Quando algo que remete a essa memória é vivido (estímulo externo), por exemplo, alguns neurônios desse grupo são ativados, e consequentemente ativam os outros neurônios (aumentando sua taxa de disparo) envolvidos pertencentes a esse engrama,  ocorrendo a evocação da memória preexistente (Imagem abaixo). 

 


Referências:

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Rodrigo Oliveira

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