Cérebro & Sociedade: Da infância a fase adulta, em que momento nosso cérebro esta realmente preparado para assumir responsabilidades diante do social?
Amadurecimento do cérebro
Iniciamos nossa vida com um cérebro incompleto. Ele amadurece e se aperfeiçoa ao longo do nosso crescimento. Esse crescimento é geneticamente pré-definido ao mesmo tempo em que depende da nossa interação com o ambiente. Podemos adquirir comportamentos ou deixar de tê-los dependendo dos estímulos que recebemos. Neste texto dividiremos as fases do desenvolvimento cerebral em: infância (até 11), adolescência (Aproximadamente dos 11 aos 13 anos) e fase adulta (Aproximadamente a partir dos 14 anos e em diante).
Infância (0 aos 11 anos)
O processo de mielinização cortical tem início na adolescência na região occipital. Ao longo do tempo esse processo passa para regiões mais frontais. Ou seja, ele ocorre de trás para frente. Neste processo o córtex frontal apenas começa a mielinizar durante a adolescência, só ficando completo na vida adulta. O córtex frontal é o responsável pelo nosso processo de planejamento (córtex pré-frontal dorso-lateral), pensamento crítico e autocontrole (córtex órbito-frontal) [1-2].
Porém as áreas relacionadas a sensação do prazer como o núcleo accumbens e área tegmentar ventral [3] estão bem desenvolvidas aos 12 ou 13 anos [4]. Enquanto as áreas responsáveis pelo autocontrole só ficam completas aos 23 ou 24 anos. O não desenvolvimento do córtex frontal bem faz com que o adolescente não entenda tão bem as consequências negativas de seus atos, mas entende bem quando falamos de recompensa devido as regiões responsáveis pelo prazer já estarem formadas.
Fase adulta
O que marca a fase adulta é a conclusão de todas as regiões do lobo frontal por volta dos 30 anos, enquanto áreas responsáveis pelo autocontrole só ficam completas aos 23 ou 24 anos. Essa fase marcada por uma maior estabilidade emocional e capacidade de raciocínio crítico [1].
Entendendo melhor o autocontrole
Um estudo realizado por Mischel e colaboradores submeteu crianças de 4 anos a um teste de autocontrole. Na frente das crianças foi colocado um marshmallow, e as crianças foram orientadas de que iriam receber um marshmallow a mais se esperassem 15 minutos sem comer o primeiro. Algumas crianças esperaram, e outras comeram antes dos 15 minutos. Alguns anos depois o grupo de pesquisa voltou a acompanhar estas crianças, que agora era adolescente. Segundo eles, as crianças que conseguiram ter autocontrole e não comeram o marshmallow nos 15 minutos se tornaram adolescentes mais competentes socialmente e mais capazes para atividades cognitivas, como por exemplo estudar por mais tempo e prestar mais atenção em sala de aula, e portanto alcançando maior desempenho escolar e lidando melhor com a frustração e o estresse [5 - 10].
Human Competence Metacognition
O mesmo grupo submetido ao estudo anterior foi analisado 4 décadas depois. Na idade adulta foi identificado que aqueles que apresentaram possuir um maior autocontrole obtiveram um maior sucesso profissional e formação. Enquanto o grupo que demonstrou menor autocontrole apresentou até um maior uso de drogas [6 -10]. Estudos replicaram o primeiro experimento identificaram que há uma correlação entre a capacidade de autocontrole e a certeza de que as crianças possuíam de que iriam receber a recompensa após o teste [7 -10]. Esses resultados sugerem Uma grande relação entre o autocontrole e o sucesso do indivíduo. Demonstrando que um autocontrole desenvolvido na infância pode ter consequências que chegam até na vida adulta.
Traços de psicopatia na adolescência
Uma revisão sistemática realizada por Ardizzi e colaboradores identificou que vários estudos com métodos não convergentes sugerem que a psicopatia está relacionada a déficits no reconhecimento de emoções negativas [12]. Vasconcelos e colaboradores aplicaram testes de identificação de expressões faciais a dois grupos de adolescentes, um grupo com traços de psicopatia e um grupo saudável. foram apresentados diferentes expressões faciais para cada sujeito do teste durante intervalos de tempo de 200 ms, 500 ms e 1 s. Após visualizar a face o sujeito deveria identificar a expressão apresentada. Houve diferença significativa entre os dois grupos apenas para expressões apresentadas com o intervalo de tempo de 200 ms [11].
Um outro estudo submeteu adultos e adolescente a uma tarefa de mímica de expressões faciais. Nesta tarefa cada sujeito era apresentado a imagens em sequência e deveriam identificar quais expressões a imagem estava demonstrado e então exibir uma expressão similar. Foi encontrado uma diferença significativa entre os adultos e as crianças no desempenho desta tarefa. Este resultado sugere que adolescentes tem uma menor capacidade de identificar expressões faciais do que adultos [13].Juntos, esses resultados apontam que durante a adolescência temos dificuldade de entender expressões faciais, o que pode levar adolescentes a situações em que não identificam uma expressão de raiva e não evitem perigo. Ao mesmo tempo a falta de capacidade para identificação de expressões faciais pode indicar um traço de psicopatia, e essa ausência é mais comum em adolescentes do que em adultos.
Influência da falta de perspectiva
Conclusões
2. O autocontrole é uma característica muito importante para o desenvolvimento e prevenção, e a infância é um período chave para o desenvolvimento desta característica.
4. Adolescentes tem maior dificuldade de identificar expressões faciais de raiva e sofrimento, o que pode facilitar com que eles ignorem essas sensações em outras pessoas e gerem situações indesejadas e perigosas.
Acredito que a adolescência seja uma fase crucial do desenvolvimento humano, e que deve ser tratada diferente das outras fases. Na adolescência o indivíduo tem a maior facilidade realizar atos criminosos e se tornar alguém potencialmente perigoso. Vejo esse período como um momento chave para moldar o futuro do indivíduo e evitar sua entrada para o mundo do crime. Gostaria que o conhecimento compartilhado nesse Blog seja usado para a criação de estratégias mais eficientes de encorajamento para adolescentes se tornarem adultos que contribuem para a sociedade.
Referências
[2] Nogueira, Salvador. As Idades do Cérebro. Revista Galileu, 2019.
[3] BLOOD, Anne J.; ZATORRE, Robert J. Intensely pleasurable responses to music correlate with activity in brain regions implicated in reward and emotion. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 98, n. 20, p. 11818-11823, 2001.
[4] CHAMBERS, R. Andrew; POTENZA, Marc N. Neurodevelopment, impulsivity, and adolescent gambling. Journal of Gambling Studies, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2003.
[5] Mischel, Walter, Yuichi Shoda, and Monica I. Rodriguez. "Delay of gratification in children." Science 244, no. 4907 (1989): 933-938.
[6] Casey, B. J., Leah H. Somerville, Ian H. Gotlib, Ozlem Ayduk, Nicholas T. Franklin, Mary K. Askren, John Jonides et al. "Behavioral and neural correlates of delay of gratification 40 years later." Proceedings of the National Academy of Sciences 108, no. 36 (2011): 14998-15003.
[7] Kidd, Celeste, Holly Palmeri, and Richard N. Aslin. "Rational snacking: Young children’s decision-making on the marshmallow task is moderated by beliefs about environmental reliability." Cognition 126, no. 1 (2013): 109-114.
[9] Males, Mike. "Age, Poverty, Homicide, and Gun Homicide." SAGE Open 5, no. 1 (2015): 2158244015573359.
[11] VASCONCELLOS, Silvio José Lemos et al. Psychopathic traits in adolescents and recognition of emotion in facial expressions. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 27, n. 4, p. 768-774, 2014.
[12] SALVADOR-SILVA, ROBERTA et al. Psicopatia e Reconhecimento de Expressões Faciais de Emoções: Uma Revisão Sistemática. Psicologia: Teoria e Pesquisa (UnB. Impresso), 2014.
[13] ARDIZZI, Martina et al. When age matters: differences in facial mimicry and autonomic responses to peers' emotions in teenagers and adults. PloS one, v. 9, n. 10, p. e110763, 2014.
[14] SÉGUIN, Jean R. The frontal lobe and aggression. European Journal of Developmental Psychology, v. 6, n. 1, p. 100-119, 2009.